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quinta-feira, 10 de março de 2011

QUIETUDE E MOVIMENTO

Estela Maria Guidi Pereira Gomes

Inspirada pelo recente texto sobre a quietude me senti convidada a refletir sobre o complemento da quietude, o MOVIMENTO. Segundo O “I CHING - o livro das Mutações” de Richard Wilhelm, “a quietude é somente um estado de polaridade que tem como constante complemento o movimento” . O movimento que busco resgatar aqui é o movimento simbólico preenchido de sentido para cada uma de nossas expressões vivas, o movimento-gestualidade que se gera a partir de nosso coração e não somente a mímica que estamos acostumados a repetir automaticamente. O movimento que surge da verdadeira serenidade e quando cessa pode repousar novamente no silêncio e ecoar...

De acordo com Wilhelm “A verdadeira quietude consiste em manter-se imóvel quando chega o momento de se manter imóvel, e avançar quando chega o momento de avançar. Deste modo o repouso e o movimento permanecem em harmonia com as exigências do tempo, e a vida se ilumina” (pág. 162). A partir do silêncio e do repouso interior, começo e fim do movimento expressivo, o homem pode expressar seu verdadeiro movimento.

Através da Dança Circular Sagrada que tem se revelado como um dos caminhos para o autoconhecimento, no ritual conhecido que nos é confortável e acolhedor de chegar à roda e encontrar duas mãos que se entrelaçam com as nossas, formamos o eixo horizontal que une a todos para o trabalho conjunto. Pela postura vertical que assumimos em nosso crescimento podemos perceber os pés tocando a terra e a cabeça tocando o céu, nosso corpo como a ligação do ceú e da terra podendo realizar a integração do que está em cima com o que está embaixo no fluxo constante que se renova diariamente, o eixo vertical. Estes dois eixos, vertical e horizontal, nos propõem o enorme desafio de manter a consonância entre pensamentos (cabeça), sentimentos (coração) e ações (pés). O encontro dos dois eixos forma a cruz, que simbolicamente nos relembra o “sacro ofício” de cada dia no plano terreno.

Pela vivência do Tai Chi Pai Lin com a mestra Jerusha Chang observo o quão necessário é fazer circular o fluxo da energia em nossos corpos para mantê-lo vivo e saudável. Quantos “insights” e mudanças internas e externas na vida de tantas pessoas têm advindo destas duas vivências que se complementam, o Tai Chi e as Danças Circulares, um com o movimento intencional para a interiorização e para o conviver com a gente mesmo e o outro com o movimento para a exteriorização e o conviver com o outro. Numa prática o exercício da tolerância conosco, o reestabelecimento de um ritmo mais lento e sereno diante da enorme correria da rotina da vida urbana e na outra prática a tolerância com o outro, o desafio de manter nossa integridade na grande diversidade da vida, buscar seguir os diversos ritmos que se apresentam, tolerar os erros que nos perturbam e que fazem parte do processo de ensino-aprendizagem, a busca de harmonia nos desafios da convivência com o diferente.

Nas duas práticas corporais o movimento que surge em nós e se deixa surgir pela expressão viva do ser, nos faz inteiros e atentos ao momento presente. Talvez seja por isto que muitos percebem o poder da Dança Circular e do Tai Chi como meditação em movimento, pois para estarmos inteiramente presentes em nosso gesto simbólico não conseguimos estar mais em nenhum lugar a não ser em nós mesmos, no momento presente, no pequeno cosmos reflexo do grande cosmos, no pequeno círculo de um grande círculo maior e de tantos outros círculos dos quais fazemos parte: círculos de alimento, círculos de oração, círculos familiares, círculos de amigos, círculos de trabalho...É no desafio de estar próximo e dar o meu passo acompanhando e acompanhado dos vizinhos na roda da dança e da vida sem atropelar ou ir sozinho, mas observando como posso dar o meu passo me adaptando ao espaço que existe à minha disposição e ao mesmo tempo observando os limites de quem está ao meu lado no cuidado em minhas relações pessoais é um dos modos de crescer. No aprendizado do fazer junto o passo construímos nossas relações pessoais com tudo à nossa volta, levando a vida e ao mesmo tempo sendo levados pelo ritmo que escolhemos seguir.

A grande escritora e maravilhosa poetisa Cecília Meireles diz num dos Cânticos (V) “Este teu corpo é um fardo. É uma grande montanha abafando-te... Quebra o teu corpo em cavernas para dentro de ti rugir a força livre do ar...” Que possamos deixar circular o nosso movimento livre, com o vento a percorrer o corpo e o ser, com o ar que inspiramos renovando os conceitos e idéias pré-concebidas e trazendo junto com a expiração a beleza do gesto único, do movimento sensível, do toque cuidadoso com todas as pessoas que encontrarmos, com a liberdade e a responsabilidade que nos convidam a era aquariana. Que o sopro nos mova e a dança dançe em nós e como encerra a poetisa Cecília Meireles: “Sê o grande sopro que circula”.

Fevereiro de 2011.

                                                                                             
. Educadora Ambiental da equipe técnica da UMAPAZ; focalizadora de Danças Circulares
“A Sala da Quietude”, Rose Marie Inojosa, texto publicado no Opinião - http://blogumapaz.blogspot.com
Wilhelm, Richard, I Ching, o livro das mutações, São Paulo, Ed. Pensamento, 2006, P.161
Meireles, Cecília; Cânticos; São Paulo, Ed. Moderna, 1982
                                                                                             

3 comentários:

  1. Estela querida adorei seu texto... diz tudo com sensibilidade e simplicidade. Vou compartilhá-lo com meus alunos. Bjs, Janete

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  2. Estelinha querida,
    Amei o seu texto "Quietude e Movimento"!
    É muito inspirado e muito inspirador também!
    Um abraço carinhoso
    Da sua admiradora
    Vera

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  3. Querida Estela,

    Seu texto traz um sereno convite à reflexão e só posso lhe dizer que fiquei encantada. Em cada encontro nas manhãs das quartas-feiras,sempre aprendo algo, o que me leva então a agradecer muito a oportunidade de ter conhecido a prática da meditação em movimento (ou Danças Circulares).Abraço,
    Cladir

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