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quarta-feira, 30 de março de 2011

Apague a Luz - Por que será que a gente não se mexe?

APAGUE A LUZ
Por que será que a gente não se mexe?

Hora do Planeta, 26 de março 2011, 20h30.

Um punhado de crianças grita: “apaga a luz”, “apaga a luuuuuz”. Fazem um esforço coletivo de mobilização, com suas vozes frágeis e agudas, compondo um coro que parte de janelas de vários prédios no meu quarteirão. Acho que combinaram antes. Talvez tenham recebido alguma orientação...

Mas, embora os pequenos tenham gritado insistentemente por quase meia hora, poucas luzes foram apagadas.

Fico pensando na alegria que teriam se a cada apelo alguém respondesse apagando a luz.

Fico pensando na frustração que tiveram ao ver que foram ignorados ou que alguns moradores, que saíram nos terraços com cara de interrogação, deram de ombros – são só umas crianças berrando.

A Hora do Planeta é um evento que sinaliza a vontade de cada um em agir para a economia de energia, para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Sinaliza para a própria sociedade e para seus representantes. Sinaliza, também, oposições e apoios a ações governamentais, empresariais, coletivas. Assim como uma passeata, é o volume de envolvidos que informa sobre a potência do movimento e deflagra adesões e oposições. Se não é potente, não incomoda.

Por que será que a gente não se mexe?

Quando conversamos entre adultos é comum ouvir que as crianças representam o futuro, que elas vão mudar o mundo, que elas estão mais conscientes. Esquecemos que já fomos crianças e adolescentes e que conhecemos o que significa receber o fardo de mudar o mundo. Esquecemos de como foi difícil lidar com o descrédito dos próprios adultos, das pedras que colocaram nos caminhos das mudanças e do quanto elas feriram as “novas gerações”, domesticado muitos dos sonhos, por vezes de forma violenta.

No que diz respeito às mudanças climáticas estamos fazendo pior que nossos pais. Além de colocarmos o fardo da mudança nos ombros de nossos filhos, insistimos em fazer pairar grandes tragédias sobre seu futuro, com nosso comportamento de consumo e nosso apoio a macroações que reiteram os riscos à saúde e à vida no Planeta.

Agora se trata de uma verdadeira emergência, que está pondo em risco a vida humana e outras vidas no Planeta e para a qual temos de, no mínimo, tomar providências de mitigação e adaptação.

Não dá mais para insistir que é preciso ir com calma, não pintar o cenário com a gravidade que ele tem porque as pessoas se retraem, recusam-se a ouvir os profetas do Apocalipse, não querem ser confrontadas, não são culpadas por ações de outras gerações e governos, etc. Está bem, sem culpa. Mas com responsabilidade.

Permitimos que o marketing tomasse conta da sociedade contemporânea e nos fizesse acreditar que, como nos comerciais de shampoo, temos direito a tudo, merecemos consumir, usufruir. Precisamos ser adulados, perdoados, sensibilizados. É cômodo e irresponsável. Ao mesmo tempo, as crianças são o futuro. Elas que mudem os maus hábitos que lhes ensinamos, no mínimo, pelo exemplo cotidiano.

E se refletíssemos e agíssemos sob o princípio da responsabilidade, com uma ecoética? O filósofo Hans Jonas já falava disso nos anos 70 do século passado : o futuro não pode ficar refém de atos irresponsáveis para aqueles que eventualmente venham a nascer tornando-o inviável para esses futuros seres.

Mitigar as consequências das mudanças climáticas e adaptar a ação humana a essa realidade é uma responsabilidade e uma tarefa de todas as gerações que estão convivendo nesse momento tão especial da viagem da espécie humana no Planeta Terra.

Vamos apagar a luz, junto com as nossas crianças. Não precisa esperar a próxima Hora do Planeta.

Rose Marie Inojosa
                                                                                
[1] JONAS, Hans (2006) O Princípio Responsabilidade: Ensaio de uma Ética para a civilização tecnológica. RJ: Contraponto / PUC-RIO

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