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quarta-feira, 7 de julho de 2010

Economia: além do olhar Crítico para o olhar Construtivo.

Por : Georges Fouad Kharlakian Júnior
Socioeconomista Educador, docente da UMAPAZ
Vivemos o apogeu da expansão voraz do capitalismo dos oligopólios, dos conglomerados e da especulação financeira, cuja penetração subverte todas as relações político-cultural e contaminam corações e mentes de jovens, adultos, homens, mulheres, trabalhadores, intelectuais e, sobretudo, dos homens de negócios. No contexto de uma era marcada pela economia de mercado, qual seria a relevância do discurso e da prática de uma economia “Nova”, uma economia solidária?

A resposta exige uma análise cuidadosa, baseada numa retrospectiva da evolução do sistema econômico e na distinção entre as aparências e a essência dos tecidos sociais e sua relação com a economia.

A visão superficial (das aparências) nos mostra o crescimento espantoso das forças produtivas, expresso num valor do PMB (produto mundial bruto) superior a trinta trilhões de US$, no início do século XXI.

A afluência e o consumo (inclusive o desperdício) nos países mais ricos chegaram a níveis inéditos e as inovações tecnológicas – o famoso progresso técnico – seguem em ritmo e velocidade alucinantes, impulsionadas por dispêndios que chegam a quase um trilhão de US$ por ano em pesquisa e desenvolvimento (P&D).

No outro lado da moeda, contemplando a situação da maioria da humanidade, evidencia-se uma divisão ou polarização profunda, tanto dentro das sociedades, com a expansão da miséria, da exploração do trabalho.

A apologia irrestrita da competição é ideológica não encontra fundamento na História.

Ao contrário, é possível afirmar que a maior parte da evolução da espécie humana foi caracterizada por associações de cooperação comunitárias, tais como apresentam, ainda hoje, certas tribos indígenas do Brasil e de outros continentes.

A desestruturação da vida comunitária em conseqüência da revolução industrial no final do século XVIII levou como reação, à afirmação de idéias e práticas cooperativas, divulgadas por Proudhon e pelos chamados socialistas utópicas (Fourier, Saint Simon, Robert Owen, Michael Bakunin e Peter Kropotkin) bem como, na segunda metade do século XIX, ao socialismo de Marx e Engels.


Inspirado nessas idéias e numa certa visão messiânica surgiu no início do século XX o movimento kibutziano que fundou colônias agrícolas coletivistas na Terra Santa, naquela época sob a dominação do Império Otomano.

Os fundadores e seus membros se comprometeram a viver de acordo com os princípios de propriedade coletiva dos meios de produção, a participação de todos os membros da comunidade no planejamento e alocação de recursos, seja para o consumo, seja para investimentos, mediante votação democrática em assembléias gerais. A igualdade entre os gêneros e a recusa da exploração do trabalho assalariado eram regras. Apesar da escassez material e das condições ambientais adversas, os membros do kibutz desenvolveram intensa vida cultural e social que refletiu, além do idealismo, um novo estilo de vida e a fé no futuro da humanidade. O kibutz – “uma aventura na utopia” nas palavras do antropólogo norte-americano Melville Spiro, fracassou sob as pressões da necessidade de construção da sociedade israelense, da absorção de milhões de imigrantes após a criação do Estado de Israel, em 1948, e da entrada maciça de capital estrangeiro, sobretudo norte-americano.

A segunda metade do século XX viu também o fracasso do socialismo “real” da URSS, com suas fazendas agrícolas coletivistas (Kolkhozes) e estatizadas (Sovkhozes) e suas empresas industriais estatais que falharam por excesso de burocracia e falta de motivação dos trabalhadores. Com o desmoronamento da URSS, ruíram também as sociedades altamente centralizadas dos países satélites, com exceção de Cuba, China e Vietnam. Ao mesmo tempo, assistimos a expansão do capitalismo financeiro que acabou penetrando nas sociedades “socialistas”.

Lógica deste sistema: É a de um sistema fechado como se a economia fosse tudo numa sociedade.

Efetivamente, como foi amplamente denunciado pela escola de Frankfurt, particularmente por Polaniy, no capitalismo avançado, a economia absorve todas as instâncias sociais (política, ética, estética, ciência), transforma tudo em mercadoria e, por isso, em oportunidade de ganho, citando, Leonardo Boff este modelo reflete “ a loucura da racionalidade econômica rasa”.

Então fica a pergunta não avançamos em nada? O máximo que conseguimos por enquanto é resgatar um Keynesianismo levemente esverdeado (que lembra a camisa do Palmeiras nos anos 90, quando este era patrocinado pela Parmalat) com propostas de ecoeficiência.

Uma economia exige, além do desenvolvimento de sua base material, um alto grau de conscientização e motivação por parte de sua população, movida por princípios éticos e valores de compaixão e solidariedade. E de cultura de PAZ.

Em oposição radical ao sistema de competição, a economia não pode ser um produto do autoritarismo, de uma administração de uma só via, de cima para baixo, que torne a população em objeto passivo. Ela exige a participação de todos, para se tornarem cidadãos e, assim, sujeitos do processo histórico.

Seria isto uma utopia, uma visão idealizada, ou trata-se de uma proposta e projeto de reorganização social e política?

Foi em conseqüência da insustentabilidade presente no atual sistema de mercado que surgiram inúmeras experiências de reestruturação, inclusive no Brasil, tais como: o orçamento participativo em Porto Alegre, emulado depois em outros municípios; a ANTEAG – Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas Autogestionária; cooperativas de produção e consumo, de crédito e de habitação, consórcios de PMEs (pequenas e médias empresas) e associações de municípios com interesses e problemas regionais comuns, como por exemplo, a gestão de bacias hidrográficas e uma ferramenta de suma importância para o redesenho socioeconômico, outro movimento é constituído pelos Bancos e moedas sociais que garantem fluxo em economias estagnadas por falta de recursos financeiros.

Em todas essas experiências, que hoje envolvem milhões de pessoas e valores monetários consideráveis, verificamos em oposição ao desenvolvimento capitalista – que prioriza a competição, a acumulação e a busca de lucros sem limites –, uma forte ênfase na justiça social, na auto-realização e na proteção e conservação dos recursos do meio ambiente.

A experiência histórica e as tendências atuais da evolução social ensinam que os caminhos da economia e sociedade não seguem por trilhas de revolução ou golpes de Estado, mas crescem e se desenvolvem paralelamente, nas entranhas do próprio sistema capitalista que cada vez mais revela sua natureza desumana e irracional e, portanto, sua incompatibilidade com os destinos da humanidade.

Em outros termos, é preciso “redescobrir” o manancial de conhecimentos que existe em cada região, valorizá-lo, e transmiti-lo de forma organizada para as gerações futuras. Redefinir nossos modelos econômicos e sociais de uma economia ditos rasa para uma economia profunda.

Afinal, que tipo de sociedade queremos? Que estilo de vida almejamos para nós e nossos filhos? Em vez de estimularmos os nossos filhos a competir, cumpre-nos a tarefa de ensinar e exemplificar as possibilidades de cooperação, como opção de um estilo de vida diferenciado. Escapamos assim da pressão avassaladora de padronização e homogeneização do comportamento e dos valores, tal como antecipado pelas visões pessimistas de autores como George Orwell e Aldous Huxley.

A economia atual, como modelo, é falha em completar sua trajetória.

Uma nova possibilidade de modelo deve surgir fora e além desta espiral hegeliana do “progresso” que secretamente não passa de um ciclo vicioso. Outras formas devem surgir, pois o slogan “crescimento econômico!” transformou-se em sinal de alerta em toxina, uma maligna e pseudo-gnóstica armadilha do crescimento, um pesadelo no qual não importa as conseqüências mas sim o resultado.

A idéia não é mudar a economia a idéia é mudar o mundo. Devemos pensar em Zonas Autônomas Temporárias – ZAT, citando o pensador e cyberpunk Hakiny Bey, onde novos conceitos de relações sociais e de troca aconteçam espontaneamente mostrando o que pode e o que não pode ser incorporado a um modelo socioeconômico tanto no âmbito local como no âmbito global , melhor ainda, do local para o global e do global para o local em um movimento orgânico, na formação do tecido social e econômico.

Se não formos nós os atores, quem serão? E, se não for agora, quando?


BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:

Apple, M. Para além da lógica do mercado: compreendendo e opondo-se ao neoliberalismo. Rio de janeiro: DP&A editora 2005


Arruda Marcos, Educação para uma economia do Amor . Editora Idéias & letras São Paulo: 2009


BRUNDTLAND, Gro H. Nosso Futuro Comum. Editora FGV. Rio de Janeiro: 1991.


Brown Lester, Plan B4.0 A mobilization to Save The Civilization, Earth Policy Institute www. Earthpolicy.org


Foucault, M. Microfísica do poder. 2ª ed. RIO de janeiro: Graal, 1981.


MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista.


SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento: Crescer Sem Destruir. Editora Vértice. São Paulo: 1986.


WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo.

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