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segunda-feira, 24 de maio de 2010

TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS ATUAIS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS
Ausônia F. Donato

Nós, educadores, ao escolhermos determinados objetivos, determinados conteúdos, determinadas técnicas, bem como formas de avaliar, estamos consciente ou inconscientemente fundamentados em algumas concepções de educação, de aprendizagem, de aluno.
Consideramos o exercício de explicitar tais fundamentos absolutamente relevante. Dizemos até que, sem esta explicitação, é nos impossível compartilhar nossos conhecimentos, o que é um passo inicial para revermos, criticarmos, aprofundarmos nosso fazer pedagógico.
Este texto tem o propósito de, ao sucintamente apresentar as principais tendências pedagógicas, modestamente contribuir para que os educadores-leitores possam identificar em que premissas têm se apoiado ao desenvolver seu trabalho educacional.
A classificação das tendências pedagógicas que utilizaremos tem como critério a percepção das relações entre educação e sociedade.
Neste sentido, valendo-nos do pensamento do professor Saviani, podemos congregar as teorias que explicam diferentemente a relação educação — sociedade em três grupos: teorias não críticas, teorias crítico reprodutivistas e teoria crítica.


TEORIAS NÃO CRÍTICAS

As teorias não críticas, por alguns denominadas de concepção redentora da educação ou de otimismo pedagógico ou, ainda, otimismo ingênuo, percebem a Educação com grande margem de autonomia em relação à sociedade e, portanto, procuram entender a educação por ela mesma. Percebem a sociedade como um todo harmonioso e que pode apresentar alguns desvios. Desvios estes que podem e devem ser corrigidos pela Educação. Assim é que a marginalidade é percebida como um desses desvios.
A Escola surge então, dentro desta perspectiva, para “redimir” os marginais, para equalizar as oportunidades sociais, para, enfim, resolver os problemas da sociedade.
A Educação tem aqui um caráter supra social, isto é, não está ligada a nenhuma classe social específica, mas serve a todas indistintamente.
São três as Pedagogias ou Escolas que contemplam as teorias não críticas: Pedagogia Tradicional; Pedagogia Nova e a Pedagogia Tecnicista.
A seguir, exporemos muito resumidamente as características mais significativas de cada uma.

Pedagogia Tradicional
No início do século passado, têm início os sistemas nacionais de ensino. Esses sistemas foram originalmente constituídos sob o seguinte princípio orientador: A Educação é direito de todos e dever do Estado.
Com a Revolução Francesa, a burguesia, ao assumir o poder e com a intenção de neste se consolidar, defende a constituição de uma sociedade democrática, isto é, a consolidação da democracia burguesa. Para ascender a um tipo de sociedade fundada nos princípios da igualdade, fraternidade e liberdade entre os indivíduos, era imprescindível vencer a barreira da ignorância. Somente assim, seria possível transformar os súditos em cidadãos, isto é, em indivíduos livres porque esclarecidos. Tal tarefa só pode ser realizada através da escola.
Como se pode apreender, nesta perspectiva a marginalidade é identificada com a ignorância, ou seja, o marginal, na nova sociedade burguesa, é o ignorante. A escola é vista, portanto, como o instrumento para resolver o problema da marginalidade. Dentro deste quadro, o papel da escola é o de transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade. A escola tem a intenção de conduzir o aluno até o contato com as grandes realizações da humanidade aquisições científicas, obras primas da literatura e da arte, raciocínio e demonstrações plenamente elaborados. Esta escola enfatiza os modelos em todos os campos do saber. O professor é o responsável pela transmissão dos conteúdos, é o centro do processo educativo. Deve, portanto, ter domínio dos conteúdos fundamentais e ser bem preparado para a transmissão do acervo cultural.
A experiência relevante que o aluno deve vivenciar é a de ter acesso democrático às informações, conhecimento e idéias, podendo, assim, conhecer o mundo físico e social. Enfatiza se a disciplina intelectual para o que se necessita de atenção, concentração, silêncio e esforço. A escola é o lugar por excelência onde se raciocina e o ambiente deve necessariamente ser austero para o aluno não se dispersar.
O professor tem poder decisório quanto à metodologia, conteúdo e avaliação. Procura a retenção das informações e conceitos através da repetição de exercícios sistemáticos (tarefas). Há a tendência de tratar a todos os alunos igualmente: todos deverão seguir o mesmo ritmo de trabalho, estudar os mesmos livros texto, no mesmo material didático e adquirir os mesmos conhecimentos.
Aqui, a concepção de educação é caracterizada como produto, já que modelos a serem alcançados estão pré estabelecidos. Não se enfatiza, portanto, o processo. São privilegiadas as atividades intelectuais.
A transferência da aprendizagem depende do treino, sendo indispensável a retenção, a memorização, para que o aluno responda a situações novas de forma semelhante às situações anteriores.
Em resumo, pode se afirmar que nesta pedagogia há uma redução do processo educativo a, exclusivamente, uma de suas dimensões: a dimensão do saber.
Retomemos as duas idéias principais desta pedagogia: a vocação de oportunizar a todos o acesso à escola, no sentido de transformar marginais (sinônimo de ignorantes) em cidadãos e a total autonomia da educação em relação à sociedade.

Pedagogia Nova
Educadores, já na primeira metade deste século, ancorados nessas idéias, se põem veementemente a criticar essa Escola, a partir daí denominada Tradicional, considerando a totalmente inadequada. Segundo esses críticos, a Pedagogia Tradicional não alcançou sua meta principal, ou seja, nem todos os indivíduos tiveram acesso a ela e nem todos que nela ingressaram foram bem sucedidos. E, além disso, nem todos que foram bem sucedidos nessa escola se ajustaram à sociedade que se queria consolidar. Dito de outro modo, esta escola falhou! Há que se mudá la!
Surge um grande movimento, cuja expressão maior foi o chamado Escolanovismo ou Escola Nova. Trata se, dito de forma bem simplificada, de mudar toda a lógica da Pedagogia Tradicional. Inicialmente o escolanovismo é implantado no âmbito de escolas experimentais.
Segundo a Pedagogia Nova, o marginalizado deixa de ser visto como o ignorante. Passa a ser o rejeitado. Alguém, segundo esta Escola, se integra socialmente não quando é ilustrado, esclarecido, mas quando se sente aceito pelo grupo.
É interessante registrar que as primeiras manifestações desse movimento se deram com crianças excepcionais, fora da instituição escolar. Lembremo nos, por exemplo, da pediatra Montessori. A partir dessas experiências, generalizam se os procedimentos pedagógicos para todo o sistema educacional.
Queremos salientar, também, a grande influência da Psicologia para a Escola Nova, através do uso intensivo de testes de inteligência, de personalidade, dentre outros. Por fim, não podemos nos esquecer de que princípios foram transportados quase que mecanicamente da chamada Terapia Centrada no Cliente, de Rogers, para a sala de aula. Daqui decorre o princípio norteador da Escola Nova: a neo diretividade e seus correlatos, como congruência, aceitação incondicional do aluno, respeito.
A educação atingirá seu objetivo - corrigir o desvio da marginalidade -, se incutir nos alunos o sentido de aceitação dos demais e pelos demais. Contribui assim para construir uma sociedade em que seus membros se aceitem e se respeitem em suas diferenças.
Esta nova forma de entender a Educação, como já dissemos, leva necessariamente a uma mudança, por contraposição à Pedagogia Tradicional, nos elementos constitutivos da prática pedagógica. Assim é que o professor deixa de ser o centro do processo, dando o lugar ao aluno. O professor deixa de ser o transmissor dos conteúdos, passando a facilitador da aprendizagem. Os conteúdos programáticos passam a ser selecionados a partir dos interesses dos alunos. As técnicas pedagógicas da exposição, marca principal da Pedagogia Tradicional, cedem lugar aos trabalhos em grupos, dinâmicas de grupo, pesquisa, jogos de criatividade. A avaliação deixa de valorizar os aspectos cognitivos com ênfase na memorização, passando a valorizar os aspectos afetivos (atitudes) com ênfase em auto avaliação.
Descola se o eixo do ato pedagógico do intelecto para o sentimento, do aspecto lógico para o psicológico. Em resumo, as palavras de ordem da Pedagogia Tradicional são alteradas. Desta forma, esforço, disciplina, diretividade, quantidade passam a: interesse, espontaneidade, não diretividade, qualidade. Há, também, em decorrência desse ideário, uma mudança no “clima” da escola: de austero, para festivo, alegre, ruidoso, colorido. Reduz se, assim, o processo de ensino a uma de suas dimensões: a dimensão do saber ser.
É preciso assinalar que este tipo de Escola, além de não cumprir o objetivo a que se propunha - tornar aceitos os indivíduos rejeitados -, devido ao afrouxamento de disciplina e a negligência com a transmissão de conteúdos, prejudicou os alunos das camadas populares que têm na escola o único canal de acesso ao conhecimento sistematizado. Acentuou se o problema da marginalidade.

Pedagogia Tecnicista
Diante da constatação de que também a Escola Nova não cumpre seu objetivo, há que - mais uma vez - mudar se a escola!
Desta vez não se percebe o marginalizado como o não informado (Pedagogia Tradicional), nem tampouco como o rejeitado, o não aceito (Escola Nova), mas marginalizado passa a ser sinônimo de incompetente, ineficiente, de improdutivo. Temos como conseqüência que as principais premissas desta Pedagogia passam a ser: a eficiência, a racionalidade e a produtividade. O centro do ensino não é mais o professor, nem mais o aluno, mas as técnicas. Daí o nome desta Pedagogia: tecnicismo ou escola tecnicista. A partir desta pedagogia, reorganiza se o processo educativo no sentido de torná lo objetivo e operacional. As escolas passam a burocratizar se. Exige se dos professores a operacionalização dos objetivos, como instrumento para medir comportamentos observáveis: só são válidos os comportamentos observáveis, porque mensuráveis, porque controláveis.
Dissemina se o uso da instrução programada (auto ensino), das máquinas de ensinar, testes de múltipla escolha, do tele ensino e múltiplos recursos audio visuais.
A Tecnologia Educacional, por coerência, é a grande inspiradora da Pedagogia Tecnicista. Esta pedagogia é sustentada por um dos paradigmas da Psicologia: o behaviorismo ou comportamentalismo. O tecnicismo é também suportado pela informática, cibernética e Engenharia Comportamental.
Correndo o risco de redundar, assiná-lo que, mais uma vez, o papel do professor é alterado: de transmissor de conteúdos e centro do processo, na Pedagogia Tradicional, passando a facilitador da aprendizagem do aluno, que é centro, na Escola Nova, agora, no tecnicismo, é um arranjador das contingências de ensino. Há muitos incentivos e recompensas às atividades desenvolvidas pelos alunos, levando a uma grande competitividade entre eles.
Reduz se aqui o processo educativo a uma de suas dimensões: a dimensão do saber fazer.
O tecnicismo, tendo rompido com a Escola Nova, acentua ainda mais o caos no sistema de ensino.
Claro, esta Escola também não conseguiu atingir sua grande meta: transformar os marginalizados em indivíduos competentes, produtivos, para atuar no mercado. A simples razão para esse fracasso é que não existe articulação direta entre a escola e o processo produtivo.

TEORIAS CRÍTICO REPRODUTIVISTAS

No final da década de 70, surge no cenário educacional um corpo de teorias, aqui denominadas crítico reprodutivistas, mas também conhecidas como pessimismo pedagógico ou pessimismo ingênuo na Educação. Têm como baliza a percepção de que a Educação, ao contrário do que pensam as teorias não críticas, sempre reproduz o sistema social onde se insere, sempre reproduz as desigualdades sociais. Seu nome, crítico reprodutivista, advém do fato de, apesar de perceberem a determinação social da educação (críticas), consideram que a educação mantém com a sociedade uma relação de dependência total (reprodutivista).
Para os crítico reprodutivistas, a Educação legitima a marginalização, reproduzindo a marginalidade social através da produção da marginalidade cultural, advindo daí o caráter seletivo da escola. Não é, portanto, possível compreender a Educação, senão a partir dos seus determinantes sociais.
Diferentemente das teorias não críticas, as crítico reprodutivistas não possuem uma proposta pedagógica; limitam se às análises profundas da determinação social da Educação.
Por isso, iremos apenas listá las, bem como a seus representantes: Teoria do sistema de ensino enquanto violência simbólica, de Bourdieu e Passeron; Teoria da escola enquanto aparelho ideológico do Estado, de Althusser, e Teoria da escola dualista, de C. Baudelot e R. Establet.
Como vimos, neste breve recorte histórico, a questão da marginalidade permanece.

TEORIA CRÍTICA

A partir do início dos anos 80, alguns educadores têm se colocado como questão: é possível ter se uma visão crítica da Educação, ou seja, perceber os determinantes sociais da Educação e, ao mesmo tempo, entendê la como um instrumento capaz de superar o problema da marginalidade?
No sentido de dar resposta a esta questão, uma nova teoria vem sendo gestada: a teoria crítico social dos conteúdos. Admite ser a Educação determinada pela sociedade onde está situada, mas admite também que as instituições sociais apresentam uma natureza contraditória, daí a possibilidade de mudanças. Assim é que a Educação pode sim reproduzir as injustiças, mas tem também o poder de provocar mudanças.
Dentro desta perspectiva teórica, estamos num movimento que busca resgatar os aspectos positivos das teorias firmadas no cotidiano escolar (as teorias não críticas), articulando os na direção de uma transformação social. Assim, da Pedagogia Tradicional, resgata se a importância da dimensão do saber, da Escola Nova, a dimensão do saber ser, e da Pedagogia Tecnicista, a dimensão do saber fazer.
Em essência, sua proposta pedagógica traduz se pelos seguintes princípios:
• o caráter do processo educativo é essencialmente reflexivo, implica constante ato de desvelamento da realidade. Funda se na criatividade, estimula a reflexão e ação dos alunos sobre a realidade;
• a relação professor/aluno é democrática, baseada no diálogo. Ao professor cabe o exercício da autoridade competente. A teoria dialógica da ação afirma a autoridade e a liberdade. Não há liberdade sem autoridade;
• o ensino parte das percepções e experiências do aluno, considerando o como sujeito situado num determinado contexto social;
• a educação deve buscar ampliar a capacidade do aluno para detectar problemas reais e propôr lhes soluções originais e criativas. Objetiva também desenvolver a capacidade do aluno de fazer perguntas relevantes em qualquer situação e desenvolver habilidades intelectuais como a observação, análise, avaliação, compreensão e generalização. Para tanto, estimula a curiosidade e a atitude investigadora do aluno;
• o conteúdo parte da situação presente, concreta. Valoriza se o ensino competente e crítico de conteúdos como meio para instrumentalizar os alunos para uma prática social transformadora.
A educação é entendida como processo de criação e recriação de conhecimentos. Professor e aluno são considerados sujeitos do processo ensino aprendizagem. A apropriação do conhecimento é também um processo que demanda trabalho e disciplina. Valoriza se a problematização, o que implica uma análise crítica sobre a realidade-problema, desvelando a. É ir além das aparências e entender o real significado dos fatos.
Ao concluirmos convidamos os educadores-leitores a refletirem sobre o significado e o sentido de nossas ações para a vida de nossos alunos e para a sociedade em geral.

Ausônia F. Donato: Diretora Pedagógica do Grupo Educacional Equipe

2 comentários:

  1. foi muito útil, em minha pesquisa.

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  2. Parabéns pelos textos, sou leigo no assunto, mas foi muito fácil entender as diferenças.

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