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sexta-feira, 7 de maio de 2010

A POLÊMICA HIDROELÉTRICA DE BELO MONTE E O PROJETO DE BRASIL POTÊNCIA


Artigo
Valério Igor Príncipe Victorino
Sociólogo

É certo que o país necessita de energia firme para satisfazer suas necessidades de desenvolvimento socioeconômico. Há o consenso de que o Brasil caminha a passos largos para tornar-se uma potência econômica do hemisfério Sul, projetando-se para 2030 a realização deste cenário. Neste sentido, os déficits sociais deverão ser enfrentados e resolvidos dentro do período dos próximos 20 anos. Os planos nacionais de extinção das habitações subumanas, que caracterizam o subdesenvolvimento e a infelicidade de amplas parcelas de excluídos, necessitarão de matérias primas de alto consumo energético. Os planos nacionais de extinção da subnutrição necessitarão de fertilizantes, tratores, caminhões e vagões, que igualmente têm sua produção baseada em fatores eletrointensivos. A construção de estradas, ferrovias, portos, aeroportos, sistemas de transporte coletivo, escolas, universidades, edifícios funcionais etc, igualmente demandarão muita energia firme, em todos os sentidos. O Plano Nacional de Energia 2030 faz uma projeção de consumo futuro calculando o crescimento da economia em uma taxa média de 4,1% ao ano. Se esta taxa se mantiver até 2030 será necessário o dobro da energia produzida atualmente. Outro fato revelador da necessidade de ampliar a produção de energia é o consumo per capita do cidadão brasileiro, que ainda é muito baixo, sendo 2,3 mil kWh, sete vezes menor que EUA. De fato, uma melhor distribuição de renda fará com que o consumo de eletricidade da população venha a aumentar.

Contudo, a justificativa para a exploração de energia em um ecossistema tão vulnerável quanto o amazônico ainda permanece obscura, ensejando dúvidas sobre a natureza dos interesses que regem um empreendimento de tal vulto.

Os críticos das grandes obras socioambientalmente impactantes no ecossistema amazônico alegam que é possível atender á demanda crescente por energia por outros meios. Em meio ao tiroteio de argumentos houve a lembrança de que na década de 1970 os Estados Unidos enfrentaram a crise do petróleo (uma de suas principais fonte de energia elétrica) com um grande programa de conservação e eficiência energética, que por 15 anos manteve o consumo de energia estável, mesmo com o PIB crescendo 40% neste período! Por outro lado, afirma-se que uma das grandes fontes de desperdício de energia no Brasil localiza-se nas linhas de transmissão, chegando a 15% de perda do que é gerado, ante 5% na Europa e, pasmem 1% no Japão.

Na polêmica energética o grande apelo ambiental vai ao sentido da ampliação da participação de fontes energéticas renováveis de baixo impacto ambiental, como a energia eólica, biomassa, solar. Destas fontes alternativas, a energia eólica é a que apresenta maiores potencialidades de desenvolvimento. Contudo, os técnicos do setor afirmam que a eólica é viável e boa como complemento ao sistema, mas não como energia de base, pois as usinas eólicas são capazes de entregar apenas 30% do valor máximo – o chamado fator de carga. (Carta Capital, 28/04/2010). Afirmam ainda que os custos de produção deste tipo de energia atualmente são muito elevados.

Quanto ao argumento do custo elevado, a Usina de Belo Monte é emblemática das contradições e reveladora de que existem correlações de força que ainda estão obscuras aos olhos do cidadão brasileiro. Vejamos. O governo afirmou que a usina custará 19 bilhões de reais, mas o mercado, de modo geral, especula que o custo final talvez chegue a 30 bilhões. Se a este custo forem adicionados os bilhões de impostos isentados para atrair a iniciativa privada, o valor torna-se tão elevado que muito provavelmente haveria justificativa suficiente para investir em um grande plano nacional de exploração das jazidas de vento que correm por este Brasil afora, especialmente no Nordeste – que não por acaso é a região que pelos seus níveis de exclusão social demanda maior atenção para elevar o Brasil à categoria de potência socioeconômica do século XXI.

Mas por que produzir energia na Amazônia? Além da disponibilidade hídrica, há um fator nesta equação energética socioambiental que precisa ter maior destaque. A terceira maior reserva de bauxita do mundo esta localizada na Amazônia e este minério é a matéria prima fundamental da produção do alumínio. Trata-se de uma indústria muito peculiar, por ser intensiva em capital, recursos naturais e eletricidade, e ser uma atividade muito globalizada, cujos preços são negociados em Nova York ou Londres. Trata-se de uma indústria eletrointensiva controlada por um pequeno grupo de grandes corporações que atua em todos os níveis da cadeia de produção, da extração do minério até a transformação no produto final. Afirma-se que se trata de um cartel global de exportação, que controla preços e mercados.

Pesquisadores têm afirmado há muitas décadas que quanto mais intensivo é o uso de recursos naturais e energia melhor é a performance competitiva dos países subdesenvolvidos no mercado internacional. Se mede o desenvolvimento de um país apenas pelo crescimento do PIB [tendência que vem sendo vagarosamente questionada], super-explorar os recursos naturais para aumentar o volume de exportações acaba se tornado uma forte pressão. Mas será a estratégia de continuar explorando estas vantagens competitivas internacionais “espúrias” de aumentar o PIB pelo volume de exportações de insumos industriais básicos de baixo conteúdo tecnológico e demanda alta e intensiva por energia e recursos naturais que nos levará ao paraíso do primeiro mundo? Certamente que não!

Por outro lado, a implantação de pólos exportadores de alumínio envolve reassentamento de comunidades inteiras, inchaço de cidades, desflorestamento e perda da diversidade biológica e cultural, além de mudanças no regime hidrológico e geração de resíduos contaminantes do solo, da água e do ar. Pesquisadores do IPEA destacam que esta atividade industrial “ainda não se demonstrou capaz de contribuir para a redução das desigualdades sociais e regionais, que colocam os índices de desenvolvimento humano da região abaixo dos índices nacionais”. (O Estado de São Paulo, 23/10/2009). Sendo assim, a usina hidroelétrica de Belo Monte significa o aumento da oferta de energia para um setor industrial que induz “padrões intensivos de exploração de recursos e serviços naturais, bem como contribui para o acirramento das desigualdades sociais em escala local.”

Este modo de exploração da natureza e das comunidades é anacrônico e deve ser superado com urgência para que as expectativas se cumpram e as futuras gerações desfrutem de qualidade superior de bem estar social.

Por fim, é decepcionante não ter havido nenhuma manifestação, digna de um projeto de nação, que apresentasse um grande plano de desenvolvimento das fontes ditas alternativas, ao menos para mitigar e justificar a pressa com que se aprovou este mega projeto em um dos biomas mais vulneráveis do mundo.

Devemos nos lembrar sempre do desastre ambiental da Usina hidroelétrica de Balbina, símbolo da arrogância política e incompetência técnica. Lá o impacto ambiental é sentido até hoje, pois a floresta submersa em decomposição na gigantesca área inundada (2.600 km2, compare-se com a área da cidade de São Paulo, de 1.500 km2) emite hoje 11 vezes mais metano e CO2 que uma termoelétrica movida a carvão com a mesma potência!

6 comentários:

  1. Excelente matéria!
    Gostaria de ressaltar que aqui no Brasil as perdas de energia na transmissão chegam a 48%, dependendo da distância percorrida.
    A informação é fundamental para que as pessoas possam formar suas opiniões e terem uma postura pró-ativa.
    Agradeço pela UMAPAZ ter criado este canal!!!
    Denise Mazeto

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  2. Muito questionável essa postura de crescimento as custas de tanta degradação ambiental.
    A posição dos povos indigenas da região do Xingu por exemplo, que serão impactados por essa construção não foi considerada.Este video mostra como estes se põe contra a construção http://www.youtube.com/watch?v=YgtC93oUfNU
    Muito bom, artigo demonstrando como essa lógica de acelerar o crescimento economico nos leva a acelerar tambem os esgotamento dos nossos recursos naturais necessários as futuras gerações.
    Um abraço aos amigos da UMAPAZ
    Bernardo

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  3. Enviado por Di Aldrighi via e-mail:
    Primeiramente quero parabeniza-los pelo trabalho que vem sendo feito por toda a equipe UMAPAZ, o qual deveria servir de exemplo para que cada vez mais todos tenham acesso a toda a informaçao e envolvimento social que vocês possuem.
    A Belo Monte não passa de mais uma forma de gastar o dinheiro de todos, para o desrespeito de muitos, e o enriquecimentos de POUCOS.
    Resumidamente, creio ser uma alternativa extremamente mal avaliada, pois há possibilidade de energia limpa e muito menos agressiva com a NOSSA NATUREZA: pois é de todos nós.

    VAMOS CUIDAR E IMPEDIR QUE NOVAMENTE O DINHEIRO PÚBLICO SEJA USADO INESCRUPOLOSAMENTE VISANDO O LUCRO DE PILANTRAS.

    Sem mais,
    Diana

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  4. Enviado por Caio Quintela Fortes via e-mail:
    Apenas dois comentários rápidos:
    1. Existem formas de se aproveitar a energia dos rios sem matá-los;
    2. Com certeza o potencial eólico é bem mal aproveitado, até porque a engenharia brasileira não se empenhou no aproveitamento dela como se empenhou no aprimoramento das construções de barragens. Lógico que há grandes interesses por detrás disso.
    Mas o pior é ainda o desperdício de energia da população, por exemplo quando se liga ar condicionado com janelas abertas.
    Caio

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  5. Olá,
    Agradecemos a visita e participação.
    Estamos à disposição para eventuais informações e esclarecimentos.
    Continue nos visitando e conferindo nossa programação.

    Atenciosamente,
    EQUIPE UMAPAZ

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  6. Olá a todos e todas!
    É impressionante que ainda temos a "cara de pau" de dizer que um projeto que cause menos impacto ao meio natural seja um projeto caro, agente mede o custo benefício quando é de interesse a construtora "tal", a impreiteira "y", mas quando se trata de custo benefício para o bem comum de todos os seres vivos e aos que ainda vão nascer agente diz que a tecnologia é cara, e dai? Quanto custa a vida dos índios, quanto custa a edemia da fauna e flora local, quanto custa o curso natural dos rios riscados a milhares de anos pelas chuvas, quanto custa o mínimo de respeito e cuidado com tudo isso? Será que podemos pagar?

    Cada ambiente têm a sua potencialidade enegética, locais ideias para energia solar, outros para eólica e assim por diante, porque devemos explorar apenas uma matriz energética sendo que esta nem é a ideal para a nossa realidade?

    Porque não podemos ter um mosaico de matrizes energéticas que funcionem como um sistema onde uma matriz complemente a outra e assim possamos utilizar das tecnologias alternativas?

    Será que não podemos investir na vida, mesmo sendo mais cara?

    Há braços
    Valther Nogueira
    REPISA - Rede de Pesquisas e Interação Socioambiental
    11-9119-9735
    repisa@repisa.org.br
    www.repisasocioambiental.blogspot.com

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