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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

ENCANTAMENTO E ENTENDIMENTO
METODOLOGIA DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA UMAPAZ

A proposta metodológica da UMAPAZ visa a acionar as nossas “caixas de brinquedos e de ferramentas”¹, não uma ou outra, mas uma e outra, transformando uns e outros e uns em outros, de modo a despertar e desenvolver o prazer dessa aventura-ventura compartilhada de ensinar e aprender.

Rubem Alves diz que engendrou essa metáfora das caixas a partir da reflexão filosófica de Santo Agostinho sobre a ordem do “uti”, do que é útil, utilizável, utensílio, e a ordem do “frui’, do fruir, usufruir, desfrutar, amar uma coisa por ela mesma. “As coisas da caixa de ferramentas, do poder, são meios de vida necessários para a sobrevivência”, diz Alves. A ciência está nessa categoria, pois além de ensinar o uso das ferramentas inventadas guarda o saber de como se fazem as ferramentas, para que continuemos inventando. Mas, alerta o autor, as ferramentas não nos dão razões para viver, são chaves para abrir a caixa dos brinquedos, onde estão as coisas que geram alegria: poesia, música, pintura, escultura, dança, teatro, culinária...

Nós acreditamos que é possível misturar o conteúdo dessas caixas para apreender com alegria, para se encantar e compreender ao mesmo tempo, começando por onde cada um puder, seguindo a borboleta azul. Ah, essa é outra história de encantamento e entendimento, desta vez contada por Marina Silva² : seu tio ensinava que se alguém se perdesse “e visse uma borboleta azul, era só segui-la que ela nos levaria para a clareira mais próxima e de lá acharíamos o caminho de casa.”. Encanto. Essa grande borboleta da floresta gosta de pousar em frutas como banana e mamão maduros e busca clareiras onde haja um roçado de frutas. “E lá perto, certamente haverá uma casa.” Entendimento.

Compartilhamos aqui duas visões sobre essa abordagem metodológica: de um ensinador-aprendedor e de uma aprendedora-ensinadora, ambos envolvidos nessa aventura-ventura do encantamento-entendimento. São eles um acróstico, de autoria de Samuel Souza de Paula, professor do curso Valores da Cultura Indígena³ , e uma “poesia matuta”, de Elizabeth Oliveira, participante do programa Danças Circulares4 .

Samuel revela, de forma poética, a visão e os princípios que orientam a metodologia de ensino-aprendizagem desta Universidade Aberta. Sua inspiração nasceu do agradecimento de um participante do seu grupo, que lhe transmitimos, comentando que a oficina revelou, na prática, o nosso propósito metodológico de encantamento e entendimento.

Encantar é trazer para os passos da vida o ritmo da Natureza.
Não somente o ritmo dos facilitadores, mas de todos que tecem
Com carinho a metodologia que incentiva o estar inteiro.
Amor pelo aprendizado, amor pela partilha, amor pelo ensino.
Navegando pelos mares, construção do conhecimento, por vezes turbulento, outras vezes calmo.
Tocando os portos dos que convidam para o entendimento e
Abraçando, afofando as terras férteis, dispostas a receber algumas pequenas sementes.
Medida especifica para as aulas são planejadas, outras tantas surgem de maneira inesperada
E todos crescem, amadurecem, no desenvolvimento da pedagogia da cooperação.
Novamente me remete a sabedoria que a Natureza ensina em suas ações... de que
Tudo está interligado, do cosmo ao átomo – podemos no interno conectar as dimensões.
O que queremos dizer é que nossa metodologia é de

Encantamento e Entendimento – alimento para a mente e o coração!

Esclarecimento, conhecimento, experiências, e as referências pautadas ante a ação.
Numa malha lúdica, no exercício da escuta, pois a vida muda, mas não é muda...
Temos que aprender a escutar as falas representantes das transformações.
Ensino é arte, é aprendizado revisitado, contextualizado às novas interações.
No mundo encantado é como o sino, que chama para despertar o coração.
Duas palavras dançam, lembre-se, no ritmo desta integração: encantamento e entendimento...
Intuitiva e conscientemente podem gerar, não duvide uma silenciosa revolução.
Melhor viver se encantando com as coisas boas da vida, as tantas coisas por agradecer
E buscar entendimento, planejamento, ação consciente, melhor do que reclamar e se perder.
Na sabedoria dos Iroquois existe uma fala, muito preciosa, que compartilharemos com você:
Todos, sem exceção, somos condenados, condenados a sermos felizes!
O que mais podemos dizer? Encantamento e entendimento – façamos de nossa vida um feliz aprender!”

E agora, distinto público, depois da poesia de um ensinador-aprendedor, apresentamos a poesia de uma aprendedora-ensinadora, a Elisabeth Oliveira, que brincou com o processo vivenciado na UMAPAZ em forma de “poesia matuta”:


“QUEM SOMO NÓIS???

Óia seu moço e sua moça
Taí uma pergunta difícil!
Tomano por base a minha vivença,
Vô relatá aqui a minha experiença.
As veis drumo um sono sossegado...
O sono é tão gostoso, que parece até que
Viajei num carrosel dourado.
Notro dia, nem drumo!
Me remexo, saculejo, parece até que
Dei foi um abraço num danado de precevejo.
Me óio no espeio, me sinto linda, linda!
Sorriso brejero, covinha no rosto,
Bochecha rosada,
Como princesa abençoada.
Notro dia, tudo vira dos avesso
Pulo da cama arretada e o espeio me dá um bruta susto
E no lugá da princesa
Oque vejo é uma bruxa espevitada.
E assim toco a vida
Sendo uma mil, mil em uma.
E pra resolvê essa peleja,
Resolvo dançá!
Proque dizem que quem dança os male espanta.
Entro pra UMAPAZ,
Pra fazê Danças Sagrada
Querendo mandá embora de veis,
Esse monte de nhaca atravessada...
No círculo danço, no círculo rio
No círculo choro.
Movimentos graciosos
Hora pra esquerda, hora pra direita.
Livre como vento,
Brilho como vagalume ao relento!
E nesse movimento,
Danço, canto,
Viajano pelos oceano, me encanto.
Ouço os canto dos pássaro,
Molho os pé em águas cristalina
O coração bate no ritmo de tambô
E como num sonho fantástico,
Vou de Sampa pra Gana, do
Tibet pra Xingu
Num instante mágico
Da Escócia pro Peru.
E quando volto pra casa,
Me óio de novo no espeio
E continua tudo igual:
Hora bruxa, hora fada
Hora moça linda,
Notra, feia desdentada
E o que muda afinal?
Continuo sendo uma em mil,
Mil em uma!!!
Depois dessa vivença, toda essa experiença,
Sorrio alegre pro espeio!
Num importa quando óio, quem é que vejo.
O importante é sabê,
Que tudo é sagrado
Do carrossel ao precevejo
E assim, vô dançando na vida:
Leveza nas mão,
Sorriso nos lábio
Firmeza nos pé
E muita gratidão e amô no coração.”

A gente se esforça para explicar essa dança do encantamento-entendimento, e aí, de repente, ela surge cheia de sol pelos olhos dos nossos parceiros nessa aventura-ventura. Somos gratos a vocês porque “educação para o futuro é ação pra transformar”5.

Rose Marie Inojosa6

¹A metáfora da caixa de brinquedos e da caixa de ferramentas é do Rubem Alves. O texto está disponível em www.rubemalves.com.br/resumindo.htm
²Do texto “Atrás de uma Borboleta Azul” de Marina Silva, professora de história, ex-senadora pelo Acre, ex-Ministra do Meio Ambiente do Brasil, publicado em 15 de julho de 2008 pelo portal http:terramagazine.terra.com.br
³A oficina Valores da Cultura Indígena foi oferecida de 12 de agosto a 30 de setembro de 2010, com o propósito de estimular práticas ancestrais e modernas de integração harmoniosa com o meio ambiente.
4O programa Danças Circulares e os cursos que dele se desdobram, como Danças Circulares e Sabedoria dos Povos, na sede e em parques da Cidade, são coordenados, desde 2006, pela Profa. Estela Guidi Pereira Gomes, da equipe da UMAPAZ
5Refrão de música criada por um grupo de alunos da turma matutina do Curso de Especialização Arte, Ecologia e Sustentabilidade, parceria UNESP/UMAPAZ.
6Diretora da UMAPAZ.

Um comentário:

  1. Ambos textos, só me fortalecem para continuar minha jornada como educadora.Sou professora há 20 anos e o ambiente escolar infelizmente está ferido, sangrando. Neste cenário, busco todas as possibilidades didáticas e metodológicas para seguir meu percurso, cavando meios de encontrar encantamento...
    Todas as mazelas sociais, refletem-se na escola e sua espinha dorsal está fragilizada, arcada, quase sem suportar mais nada e tudo é visto como um peso, um fardo. O aluno, aquela criança/adolescente vira um anônimo e para os governantes, um número que precisa indicar através de índices e percentuais, que a falência da Escola não existe, que tudo não passa de se ter ou não boa vontade e que essa boa vontade, depende única e exclusivamente dos educadores. Os cursos da UMAPAZ, em sua maioria destinados a educadores, nos devolve o folego que precisamos para seguir nessa jornada em que encantamento, contentamento, "ensinagem e aprendizagem" precisam ser aguados, cuidados, delicadamente como sementes que para germinar bons frutos, precisam mais do que um jardineiro hábil e cheio de técnicas, mas muito mais, de jardineiros com olhos, ouvidos e sentidos apurados para reconhecer que no jardim da vida, todos são sementes, todos são terra, todos são adubo, todos são vento e todos são luz (elementos fundamentais para plantio) e que nada se faz na solidão, quanto mais jardineiros, mais flores, quanto mais mãos, mais terra arada, quanto mais ferramentas, mais condições de sanarmos todas as ervas daninhas que por ventura surgirem...
    Mais uma vez, expresso minha gratidão!
    Elizabete Oliveira

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