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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

ARTIGO

ENSINAR A IDENTIDADE TERRENA: A EXPERIÊNCIA DA UMAPAZ1

Rose Marie Inojosa

1. Educamos como convivemos

A diversidade, forjada no processo de evolução em que emergiu a singularidade da vida neste Planeta, parece ser a característica fundante da identidade terrena.

Se educamos como convivemos e como convivemos educamos, como nos ensina Maturana (s/d), a qualidade e a intensidade do convívio entre os indivíduos e grupos que compõem a diversidade da vida no Planeta modelam o processo em que somos educados e educamos.

E preciso “aprender a ´estar aqui` no planeta”, como nos diz Morin (2001:76), reconhecendo a unidade na diversidade e a nossa união consubstancial com a biosfera.

A sociedade contemporânea desaprendeu o “estar aqui”, criando diferenças inadmissíveis entre continentes, nações, etnias, indivíduos, sinalizadas por indicadores de riqueza e pobreza e de respeito aos direitos humanos. A competição e a violência passaram a ser predominantes na forma de convívio, com a disputa pela posse de recursos naturais e de outros seres da comunidade da vida para seu uso na busca de poder e de conforto.

Desaprendemos o amor à água, que parece nascer da torneira; o amor à árvore, cortada para dar espaço a prédios e carros; o amor aos animais silvestres, que já não encontram abrigo e comida e vivem confinados em pequenos fragmentos da cobertura vegetal.

A perda da reverência à vida afeta também a identidade terrena. Como na fábula de Amós Oz (2007), a escolha desse modo de viver foi transformando as grandes cidades do mundo em espaços inamistosos à vida e corrosivos para a identidade terrena.

A crescente compreensão de parte da população humana de que esse modelo torna a vida insustentável, tem gerado ações privadas e políticas públicas desejosas de mudar tal modo de convívio e, portanto, de educação das gerações.


2. A experiência da UMAPAZ

A experiência da Universidade Aberta do Meio Ambiente e da Cultura de Paz se inscreve nesse processo. É um centro de educação socioambiental da cidade de São Paulo, que nasceu, em 2005, orientada pelo propósito de contribuir para o exercício de convivência na diversidade e para o emergir da consciência da identidade terrena.

Seu público são todas as pessoas interessadas, que formam grupos intergeracionais, com diferentes saberes e fazeres, entendendo que essas diferenças de visões e potencialidades podem auxiliar na compreensão da complexidade, no respeito á diversidade, na visão da unidade na diversidade, na construção de utopias coletivas e ações integradas.

Os princípios da Carta da Terra2[2] refletem-se na sua missão e valores da UMAPAZ: responsabilidade ambiental; cultura de paz; transdisciplinariedade e interculturalidade.

A UMAPAZ É uma iniciativa pública, da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura do Município de São Paulo, custeada pela Prefeitura, que nasceu e opera com uma rede de parcerias com outras instituições e organizações da sociedade civil.

Instalada no parque símbolo da Cidade, o Ibirapuera, desde janeiro de 2006, trabalha, basicamente, em quatro frentes:

Programas de sensibilização, abertos, focalizados em faixas etárias ou intergeracionais, com atividades artísticas, danças, tai-chi, meditação, rodas de conversa e diálogos, palestras, exposições;

Programas de formação, abertos, mediante inscrição e seleção, aprofundando estudos de situação, reflexões e oferecendo instrumentos de ação;

Programas para multiplicadores, focalizando públicos com potencial de reedição, como educadores, profissionais de saúde, lideranças de organizações nãogovernamentais, conselheiros, servidores públicos;

Articulação de uma rede de parcerias.
Prigogine diz “que o universo é um narrador parecido com Sherazade, que conta uma história para logo se interromper e contar uma outra história. Existe a história cosmológica, no interior da qual se encontra a história da matéria, a história da vida e, finalmente, a nossa própria história” (PRIGOGINE, 2003: 50) É preciso ouvir essa história com todos os sentidos e, por isso, a metodologia da UMAPAZ busca facilitar o diálogo e a integração entre teoria e prática, reflexões e fazeres; entre o pensar, o sentir e o agir.

A UMAPAZ conta com uma equipe própria, composta por educadores com formação em biologia, geografia, sociologia, física, comunicação, pedagogia, psicologia e nutrição e, também, com professores contratados por hora/aula.

Em 2006, destacam-se duas iniciativas: a primeira turma do Curso Educação Gaia, com 160 horas/aula, em parceria com o Gaia Education (Findhorn) e dois grupos locais, o Ecobairro e a Ecovila São Paulo (atual CRIS); e a Exposição Corpo D’Água, que atendeu mais de 19 mil alunos.

Em 2007, a UMAPAZ atendeu 22.728 pessoas. Destaques: o Programa Ambientes Verdes e Saudáveis - PAVS, parceria com o PNUMA e Secretaria Municipal da Saúde, capacitou cinco mil agentes comunitários de saúde e de assistência social, e o Curso a Distância de Mediação de Conflitos Socioambientais para servidores públicos municipais, abordando sustentabilidade, água, ar, solo, verde e biodiversidade, economia, cultura de paz.

De 2008, quando foram atendidas diretamente 26.517 pessoas, destacam-se: o Programa Difusão da Carta da Terra, que focalizou as escolas da rede municipal de educação, alcançando 800 coordenadores pedagógicos, diretores de escola e professores, em 43 turmas descentralizadas em todas as regiões do município; a abertura do Espaço Sapucaia, uma biblioteca especializada em meio ambiente e cultura de paz, aberta aos alunos da UMAPAZ e a outros interessados.

2009 foi um ano de transformação. A UMAPAZ passou a coordenar outros equipamentos pré-existentes de educação socioambiental: a Escola de Jardinagem, a Escola de Astronomia e Astrofísica, os Planetários e os programas Trilhas e Agenda Ambiental na Administração Pública. Essa estrutura expandida ofereceu, nesse ano, mais de 9 mil horas de atividades educativas, atendendo 202.779 pessoas.

Em 2009, foi iniciado um curso de formação de agentes socioambientais urbanos, o Carta da Terra em Ação, com 120 horas que, está realizando, em 2010, sua quarta turma. Foi fortalecido o Programa Aventura Ambiental, que atende centenas de crianças por mês, com um jogo para que brinquem em casa e com seus amigos, reeditando a experiência vivida. Além disso, programas de sensibilização, como trilhas, danças circulares, contação de história e mini cursos de jardinagem foram levados para parques da cidade.

Também foi dado um novo impulso na articulação com as organizações não governamentais, mediante o financiamento, pelo Fundo Municipal de Desenvolvimento Sustentável, de projetos de educação socioambiental de organizações não governamentais: Instituto de Empreendedores Ambientais Sociais – IDEAS; Instituto Ibiosfera; Instituto São Paulo contra a Violência; 5 Elementos; Instituto de Projetos e Pesquisas Sócio Ambientais – IPESA; Instituto GEA – Ética e Meio Ambiente; Movimento de Defesa do Favelado; Instituto Aryran; Associação Congregação de Santa Catarina; Ciranda Comunidade e Cidadania; Fundação de Apoio a Pesquisa, Ensino, Tecnologia e Cultura; Instituto Labor & Vita; SOS Represa Guarapiranga; Nica – Núcleo Interdisciplinar de Ciências Ambientais.

Em 2010, essa articulação para a ação local está sendo ampliada: 50 projetos em processo de formalização de convênio, fortalecendo uma rede de organizações não governamentais.

Outro destaque de 2010 é o início de duas turmas de um curso de especialização, 360 horas, em convênio com o Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (UNESP), com o propósito de formar especialistas em Ecologia, Arte e Sustentabilidade, numa perspectiva transdisciplinar.


3. Pedagogia do exemplo

A responsabilidade de agir do poder público, delegado da população, é inalienável. Não faria sentido ampliar programas e atividades de educação socioambiental com a população sem, ao mesmo tempo, realizar as ações de recuperação da degradação ambiental e da promoção da vida na cidade.

Essas ações estão nas atribuições de diferentes secretarias e órgãos, porém, a Secretaria do Verde e Meio Ambiente, a qual pertence a UMAPAZ, tem atribuições específicas. Em 2005, essa Secretaria tinha apenas 0,7% de todo o orçamento da Cidade de São Paulo. A percepção da importância da ação socioambiental refletiu-se também nesse orçamento, que, embora pequeno, chegou a 1,7 %. Isso resultou na possibilidade de ter uma ação coordenada para, entre outras atribuições:

Ampliar a cobertura vegetal da cidade, mantendo, protegendo e recuperando áreas verdes, plantado milhares de árvores de espécies nativas em parceria com as subprefeituras, multiplicando o número de parques, de 32 para 66 e com projeção de chegar a 100;

Proteger e recuperar os mananciais, com a instalação de parques lineares e operação conjunta com outros órgãos municipais e estaduais para a defesa das águas;

Inventariar e divulgar informações sobre os animais silvestre que vivem no território;

Captar gás metano dos dois aterros sanitários, com geração de energia suficiente para 70 mil pessoas;

Implementar a inspeção veicular na cidade, de modo a reduzir a emissão de CO2;

Propor e apoiar a implementação de 31 Conselhos Regionais de Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz na cidade;

Descentralizar sua própria gestão, com dez Divisões de Gestão Descentralizada, com três equipes cada uma: fiscalização, arborização e educação ambiental.


4. Como convivemos educamos

Estamos educando como convivemos? O processo de educação socioambiental baliza-se pelos sinais de transformações gerados nessa convivência.

Queremos ser uma “escola asa” na expressão de Ruben Alves. Escola que estimule os pássaros a voar, porque ensinar a voar não se pode, já que “o vôo já nasce dentro dos pássaros.” (ALVES, 2001).

Por isso, sabemos que não basta perguntar, ao fim de um seminário ou curso, se a pessoa ficou satisfeita com conteúdo, professor, metodologia. Mesmo que a satisfação seja alta pode não implicar uma mudança de pensamento ou atitude. E esse é o ponto.

Assim, além dessas avaliações, têm sido feitas pesquisas anuais com egressos dos programas, indagando sobre possíveis transformações que, em alguma medida, eles atribuam ao convívio na UMAPAZ.

A partir dos depoimentos colhidos nas pesquisas, construímos uma expressão do discurso do sujeito coletivo educando/educador da UMAPAZ: Lembro, a todo momento, que eu escolhi uma outra perspectiva de ver o mundo. Passei a observar melhor e pensar antes de agir. Levei as metodologias de cooperação, conservação e respeito ao meio ambiente para minha prática, ensinando outros terem maior conscientização e compreensão de que não somos apenas transformadores da natureza, mas sim somos parte dela.

Na pesquisa de 2009, o valor mais citado dentre os que teriam forte influência no pensamento e comportamento atuais dos pesquisados e os que desejam transmitir para as gerações futuras foi RESPEITO, qualificado como: respeito a vida; a todas as formas de vida; ao Planeta; a Natureza; ao próximo; aos pais e ancestrais; pelo que é público; pela unidade da vida. Nessa dimensão talvez resida o fulcro da consciência da identidade terrena.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Rubem (2001). Gaiolas e Asas, Folha de S. Paulo, Tendências e debates, 05/12/2001.

MATURANA, Humberto (s/d) O que é Educar, http:/www.dhnet.org.br/direitos/direitosglobais/paradigmas/maturana/oqueeeducar.html, visita em 9/7/2010.

MORIN, Edgar (2001) Os Sete Saberes Necessário à Educação do Futuro. Trad. Catarina E.F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez, Brasília. DF: UNESCO.

OZ, Amós (2007) De repente das profundezas do bosque, tradução de Tova Sender, São Paulo: Companhia das Letras.

PRIGOGINE, Ilya (2003). O fim da certeza. Trad. CUNHA,A.M. In: MENDES, C. (org) Representação e complexidade, Rio de Janeiro: Garamond, p. 47-68.

1 Texto apresentado na Conferência Internacional sobre Os Sete Saberes necessários à Educação do Presente, realizada em Fortaleza, em setembro de 2010.

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