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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Danças Cirulares - Estela Maria Guidi Pereira Gomes

O QUE AS DANÇAS CIRCULARES PODEM AGREGAR EM NOSSA VIDA?

Estela Maria Guidi Pereira Gomes

Os povos antigos dançavam para celebrar as mudanças de estações, os casamentos, as colheitas e em vários momentos importantes do grupo a referência era o círculo e a comunidade reunida em torno de um centro comum. O centro determinava um espaço de equidistância entre cada pessoa e o grupo como um todo; os integrantes da comunidade, sendo crianças, jovens, adultos e idosos compartilhavam os valores daquele grupo e de sua realidade. Dançar fazia parte da vida das pessoas e conferia saúde, ritmo, união e harmonia ao povo. Revisitar as danças inspiradas nas culturas “dos povos da tradição” é compreender o que era importante para aquela comunidade, trazendo ao presente valores preciosos tantas vezes esquecidos como respeito, generosidade, união, cooperação e produzindo novos sentidos para a vida e o viver.


Educar a sensibilidade e a expressão corporal através do gesto simbólico nos permite o contato com o “espaço sagrado” de conexão com o outro e com a vida: nosso coração. As habilidades presentes em nosso coração de sermos generosos, ouvirmos para compreender, estarmos atentos às questões ambientais requer trabalho diário e desenvolvimento de atenção plena sendo que a dança e as atividades corporais que nos sentimos convidados a experenciar podem ampliar o autoconhecimento e o reconhecimento de nossas atitudes diárias.

Com a constituição da UMAPAZ, no ano de 2006, as Danças Circulares passaram a integrar a metodologia de aulas unindo educação ambiental e cultura de paz. Foram implantados a partir de então um círculo aberto semanal, cursos de formação para profissionais da rede da Saúde do município de São Paulo em parceria com a Secretaria da Saúde, curso para educadores ambientais usando as danças como recurso de trabalho com a ecologia interior, social e ambiental (WEIL, 1993) e cursos para educadores usando as Danças Circulares como metodologia pedagógica agregando a cosmovisão dos povos. No início de 2009 a UMAPAZ passou a descentralizar cursos e atividades no sentido de alcançar todas as regiões da cidade e assim ocorreu com as Danças Circulares que passaram a integrar as ações de educação ambiental e cultura de paz em 10 parques municipais e um CEU na região sul da cidade contando com a contratação de focalizadores parceiros da UMAPAZ.

Pelo movimento das Danças Circulares Sagradas redescobre-se que os passos que são realizados nas danças ao sabor da harmonia das músicas refletem como pensamos, sentimos e agimos em nosso dia. O caminhar acontece um passo após o outro. Segundo Wosien, B (2000) “o passo é um salto à frente, numa sincronicidade com o meu movimento de corpo e com aquilo que acontece em mim.” Na medida em que dançamos, e esta é uma experiência intransferível, o que ocorre fora de nós reflete-se internamente e nosso interior se espelha para fora de nós num movimento de ir e vir constante como ocorre com as ondas do mar. Caminhamos de modo leve e solto? Andamos tensos? Apertamos a mão de nosso vizinho? Como lidamos com o erro do vizinho? Como lidamos com nosso erro ou a dificuldade em entrar no ritmo? Nos sentimos fazendo parte da grande teia da vida? Ao observar a interdependência que ocorre no círculo nos motivamos a modificar nossas ações no dia-a-dia? Conseguimos mudar facilmente de ritmo seguindo a música proposta pela vida? Como utilizar a tolerância ao nos encaixarmos numa estrutura pré determinada? Utilizamos o espaço que podemos e temos disponível? Observamos a grande diversidade da vida na roda da dança? Somos criativos ao realizar os gestos propostos? Usamos nossa experiência passada no presente???...

Em uma ocasião onde dançávamos uma dança em trios onde as pessoas que estavam nas pontas do trio conduziam o movimento e quem estava no meio se deixava conduzir pelos vizinhos, a integrante que estava no meio do trio não conseguiu realizar o movimento após várias tentativas e parecia dar um “nó” em seu grupo. Após alguns movimentos tentando realizar o gesto proposto, perguntamos a ela: qual é a sua dificuldade? Ela parou, refletiu e comentou: mas eu nunca me deixei conduzir, sou eu quem resolve as coisas na minha família, na minha casa, na minha vida... Então perguntei se neste momento na dança ela gostaria de experimentar sair do lugar da condução e deixar-se conduzir ou gostaria de trocar de lugar com algum de seus parceiros de trio e conduzir o movimento conforme estava mais habituada. E a dança seguiu com a escolha que ela pode fazer naquele momento... O corpo não consegue esconder suas dúvidas, suas questões, seus hábitos, seus desafios e transparece na dança e no gesto simbólico quem realmente somos. Estarmos abertos a sair de nossa zona de conforto é um grande desafio!

Numa outra dança onde o movimento proposto era a pessoa fazer um círculo para a direita alcançando o lugar do vizinho à sua direita e assim sucessivamente, um participante não conseguia dar uma volta sem sair do mesmo lugar. Como ela não saía do lugar, a outra pessoa que ocuparia seu espaço físico na dança precisava se adaptar ao espaço que tinha. Quantas vezes diante de um conflito não nos vemos rodando num mesmo lugar e olhando a situação somente por nosso ponto de vista, sem realmente sair do lugar e noutras ocasiões precisamos nos desviar buscando novos espaços, pois nosso vizinho/parceiro não sai do lugar...

São inúmeras questões e reflexões que nos fazemos ao dançar. As respostas talvez venham aos poucos através de um insight durante a vivência, no decorrer da semana ou até surjam outras questões, mas todas as perguntas nos remetem à jornada pessoal em direção a nós mesmos no sentido da revisão de atitudes diárias, de como resolvemos os conflitos a que somos expostos e como podemos caminhar no sentido de fazer escolhas mais sustentáveis não só para nós, mas também para toda a comunidade de vida.

A vivência das Danças Circulares tem sido instrumento rico para o trabalho com os valores da Cultura de Paz retomando as diversas culturas dos povos, seus símbolos, mitos e formas de dançar que através do nosso corpo podem ser revisitadas e atualizadas trazendo ao contemporâneo temas antigos esquecidos na vida urbana como celebração das mudanças de estação, os poderes curativos das plantas, as formas e ciclos da natureza, os movimentos dos astros sol e lua e a sensibilidade para a convivência cooperativa. A experiência de dar as mãos no círculo, escutar as músicas, exercitar o olhar e juntos aprendermos a dançar tem propiciado o exercício da fraternidade, da alegria, da meditação e da cooperação ampliando formas mais saudáveis de viver na busca da sustentabilidade e da construção de um mundo mais justo e fraterno.

Estela Maria Guidi Pereira Gomes Educadora ambiental, fonoaudióloga, focalizadora de Danças Circulares Sagradas e docente da Umapaz


Referências bibliográficas:
BARTON, A. Danças Circulares: o Caminho Sagrado. São Paulo, Triom, 2006. (Edição bilíngüe português e inglês)
RAMOS, R. Organizadora. Danças Circulares Sagradas: Uma Proposta de Educação e Cura. São Paulo, Triom, 2002.
WEIL, Pierre. A arte de Viver em Paz. São Paulo, Ed. Gente, 1993. WOSIEN, Bernhard. Dança: um caminho para a totalidade. Editora Triom, São Paulo, 2000.






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