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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Rose Marie Inojosa
A ESCOLA AZUL 1


Nós, seres que participamos da comunidade da vida deste pequeno planeta cheio de encantos, aspiramos a uma borboleta azul a que chamamos felicidade.

Temos um aparato complexo de sensações e pensamentos, razão e sensibilidade, capaz de produzir esse resultado alquímico que todos sabemos reconhecer quando abre as asas em nosso peito.

A aspiração à felicidade nos move, tem nos conduzido ao longo da nossa jornada terrestre, modelando os avanços do que chamamos civilização: a capacidade de viver juntos, com paz e criatividade, com equidade de oportunidades e respeito pela diversidade.

Não importa em que local ou condição estejamos, até mesmo em situação de penúria material ou em meio a dificuldades físicas ou relacionais, a chamazinha do desejo de felicidade é capaz de nos inspirar e impulsionar. E mora aí, também, a nossa capacidade de resiliência face às adversidades a que estamos igualmente expostos.

Somente o conformismo parece capaz de abalar essa chama ou transformá-la no fogaréu da violência, que destrói o que não pode alcançar.

Costumamos relacionar a violência ao inconformismo com uma situação. Mas parece que é o oposto. Quando estamos inconformados, indignados, trabalhamos para mudar, criar, inovar. Sentimo-nos estimulados a melhorar ou a transformar. A violência explode quando temos de nos conformar ou já nos conformamos a não alcançar alguma coisa ou alguém, e precisamos destruí-lo, consumindo, junto, a nossa aspiração. Quando já não ouvimos o rumor das asas da borboleta azul, que nos eleva e nos faz perceber outras dimensões da realidade, outras possibilidades.

O que chamamos de educação parece ser um labor incessante de produção e compartilhamento de mapas de possibilidades, caminhos e lugares de encantamento, capazes de avivar e manter acesa a chama da aspiração à felicidade. É uma produção conjunta da sociedade, que ocorre espontânea ou intencionalmente em seus múltiplos espaços de relacionamento, como a família, a comunidade, as organizações.

A escola é uma instituição recente na história humana, um espaço intencional de educação nascido da vontade da sociedade de democratizar o acesso a mapas de encantamento antes restritos a uma parcela pequena da família humana.

Na sua curta trajetória, porém, a escola moderna perdeu, ela própria, o mapa do encanto, e abraçou metodologias que aprisionam corpos e mentes em uma lógica da subalternidade, que treinam a conformação de educadores e educandos a padrões pobres de possibilidades. Desse modo, a escola não apenas foi afetada pela violência externa, ela própria transformou-se em um espaço de produção da violência.

Mas, a nossa aspiração à felicidade quer e experimenta outra escola. Uma escola que acolhe, em primeiro lugar, as diferenças e enxerga a riqueza que nelas reside, constituindo um espaço de proteção e não de risco. Uma escola que estimula o encantamento com o mundo por meio da música, dança, canto, artes visuais, livros, rodas de conversa, jogos cooperativos, conselhos...Uma escola que trata com a mesma reverência a produção de um pão e a execução de uma peça musical.

Essa escola é um laboratório de vida na cidade, onde crianças e adultos asseguram-se de que têm aptidão para serem felizes. Gente inconformada com a violência, com as injustiças, com a destruição da Natureza e encantada pelas possibilidades de co-criar, de transformar e empreender a jornada da evolução com alegria.

Nessa escola a borboleta azul não apenas mora no recôndito de cada um, mas é atraída e fortalecida pelos cantos, risadas, trabalhos coletivos, descobertas, de modo a que, em grupo, também possamos vê-la e empreender o caminho juntos.

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[1] Versão do texto de abertura do livro Currículo Social na Escola: a necessidade do nosso tempo. Propostas, sugestões e experiências no Brasil e no exterior. Organizado por Ute Craemer. São Paulo: Editora Antroposófica e FEWB, 2011

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