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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Artigo: Viagem no tempo em uma nêspera por Mônica Cristina Ribeiro

Viagem no tempo em uma nêspera

Mônica Cristina Ribeiro


Hoje cedo fui ao mercado comprar alguns acepipes pra garantir o almoço de domingo e me deparei com elas – pequeninas e delicadas nêsperas, amarelas, peludinhas, me espreitando. Peguei uma das bandejas, apalpei, olhei de vários ângulos, senti o cheiro. Suspirei e trouxe pra casa aquelas pequenas passagens para minha infância.

Algumas coisas que atiçam a memória, em especial aquelas que têm passagem pelos sentidos do tato, olfato e paladar ao mesmo tempo, têm esse poder de me transportar, tal como uma máquina do tempo, pra outro lugar.

Foi assim que me vi a caminho de casa, sacolinha no ombro e a mente a anos de distância rumo ao passado, me encontrando trepada no pé de nêspera do quintal dos meus pais – que na época a gente chamava de ‘ameixa’ -, puxando aquelas pelotinhas amarelas cuidadosamente dos galhos, retirando a casca fina com muita calma e comendo várias durante mais de uma hora, jogando no chão os restos da aventura do paladar, que serviam de adubo e faziam crescer, como que milagrosamente, outras nespereiras no entorno. Mas aquela… aquela estava lá há muitos anos. Alta, magnífica, com os galhos fortes o suficiente pra aguentar aquela menina magrela que subia feito um macaquinho e se perdia naquele ritual por horas, até que a mãe desse falta e gritasse por ela, fosse para almoçar, tomar banho ou qualquer outra coisa.

O quintal tinha outras árvores, outras frutas, mas nenhuma que proporcionasse aquela sensação de conquista. A escalada da árvore durava segundos, mas parecia uma vitória conseguida com muito esforço. E o prêmio escorria pelo canto da boca. Amoreiras, pereiras, abacateiros, bananeiras, limoeiros, parreiras, muitos estimulantes do paladar se espalhavam por aquele quintal. Mas a nespereira era campeã.

Os sabores e os cheiros são assim – tem esse poder mágico de serem portas para outros tempos. De reativar a memória de eventos e sensações de determinadas épocas de nossa vida. É assim também quando encaro uma massa ao sugo – me lembro dos domingos na casa da minha avô materna – ou uma polenta com molho qualquer. Ou ainda os bolinhos de chuva, que eu comia tanto que passava mal a valer.

Quando tomo cerveja numa tarde de domingo, assistindo a um jogo de futebol, me lembro sempre de quando o fazia na companhia de pai, ainda pequena. E quando saboreio uma salada de batatas com bacalhau, é do almoço na casa dos meus pais, os quatro irmãos sentados com pai e mãe nas cabeceiras, que me recordo. Até hoje quando visito meus pais é este o prato que preparam pra mim, desde sempre meu preferido da culinária materna.

A gente vai ampliando o repertório gastronômico, experimentando (eu ao menos adoro experimentar), mudando as preferências alimentares. Mas os sabores que nos marcam são aqueles que ficam gravados em nosso paladar acompanhados de situações de afetividade marcante. Estes sim, tem o poder de nos transportar pra outras épocas. E pode o chef mais renomado do mundo tentar preparar algo similar, mas com certeza qualquer um de nós vai dizer que o que comeu há anos era muito melhor…

Outro dia assisti “Ratatouille”, o desenho. É daquilo que estou falando, do reencontro do crítico de gastronomia com sua infância ao sorver justamente um ratatouille que teve aquele efeito-máquina-do-tempo. Aquela sensação me pegou de cheio hoje quando vi, toquei e comi uma delicada nêspera pela manhã.

[1] Jornalista, Coordenadora da Assessoria de Comunicação da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente de São Paulo



Um comentário:

  1. ameixa!!
    e na minha época de criança ficávamos sentados horas e horas debaixo do pé falando da vida alheia!
    saudade!
    =)

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