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terça-feira, 6 de abril de 2010

PARQUES SUSTENTÁVEIS

PARQUES SUSTENTÁVEIS
Eduardo Aulicino¹

Até o início da década de setenta, na cidade de São Paulo os parques se integravam à
paisagem urbana como uma extensão da própria via pública. Não havia barreiras ou fronteiras que delimitassem o perímetro dos parques. Era muito comum a presença de carros dentro dos parques em passeios ou até mesmo em rotas de caminhos alternativos, trenzinhos estilizados faziam a alegria da garotada nos fins de semana.

A ocupação dos parques por automóveis também se dava em importantes eventos da
cidade como: Feira da bondade, Feira do Verde do Ibirapuera, parque que abrigou, por
um bom tempo, até uma casa noturna de shows, do sambista Sargentelli.

Nas tardes de sábado, junto à marquise, havia uma concentração de motociclista bugueiros que promoviam pegas e shows de pilotagem assistidos por centenas de jovens que faziam dali seu ponto de encontro.

A partir da metade da década de setenta, tendo como principal justificativa, o aumento da criminalidade e o mau uso destes espaços públicos, principalmente durante o período noturno, os parques da cidade passaram a ser isolados através de grades, ter o acesso controlado e mais tarde a instituição de horários de funcionamento.

Com este preâmbulo fica fácil entender a implantação arquitetônica da maioria dos
parques da cidade. Neste contexto, era necessário que os projetos dos parques contemplassem com muita ênfase, o acesso de automóveis em seu interior, daí, o motivo dos seus usuários, hoje,caminharem sobre vias largas, asfaltadas, delimitadas por guias e sarjetas de concreto, iluminadas por postes de mais de oito metros de altura.

Sempre que tenho oportunidade de me pronunciar sobre o perfil que se deve adotar na
implantação e readequação dos nossos parques, defendo que o parque deva ser apresentado como equipamento diferenciado, com características próprias e distintas dos outros espaços públicos.

Como seus caminhos e alamedas internas são destinados à movimentação de pessoas a pé,não existe mais a necessidade de guias e calçadas em desnível, a via toda pode ser um grande passeio, como não andamos sobre rodas, suas curvas também não necessitam de grandes raios de giração.

Sobre os materiais empregados devemos priorizar aqueles que em seus ciclos de vida
causam o menor impacto ambiental, como a madeira.

Com o aproveitamento da madeira proveniente de corte e poda das árvores dos próprios
parques e vias públicas, de forma a não contribuir para a sua deposição em aterros, é possível suprir demandas de produtos como: postes, piquetes, orlas para caminhos, bolachas para pisos,peças para cercamentos, alambrados, arrimos, degraus e espelhos de pequenas escadas e acessos,guarda-corpos, caramanchões, madeira picada para pisos de trilhas, placas para comunicação visual, lixeiras, tutores e protetores para árvores, bancos, mesas para pic-nic, jogos, cavaletes, brinquedos para playground e equipamentos esportivos.

A madeira de origem legal e não predatória é alternativa ecológica a materiais como:
metais, plásticos, compostos de cimento e outros que em sua produção utilizam como fonte de energia, a própria madeira e em seus ciclos de vida, acarretam incomparáveis impactos ambientais.

Longe de representar um retrocesso a construções de baixa qualidade, ao contrário, a
idéia é promover o uso da madeira de forma engenheirada e moderna.

Para os pisos de passeios, ciclovias e outros, a pavimentação deve ser exemplar,
contemplando em sua formulação, o agregado reciclado da construção civil, material já
normatizado pela ABNT. Estima-se que somente na região metropolitana são geradas 15mil toneladas /dia de entulho provenientes de obras de construção e reforma.
Em seu cotidiano, o paulistano já convive em demasia com aço, concreto e subprodutos
de petróleo. O parque pode ser diferente do ambiente construído da cidade e servir de modelo para implantação de políticas públicas para:

- Uso racional de água: aproveitamento de águas subterrâneas - a água de chuva que cai
sobre a área do parque deve infiltrar-se no solo ou ser aproveitada para usos não potáveis,da mesma forma os efluentes líquidos de todo o esgoto gerado após ser biodigerido em mini estações de tratamento. Assim se promove a recarga de aquíferos, evita-se a saturação das redes públicas de águas pluviais e esgotos da cidade, minimiza-se o consumo de água tratada e, principalmente, se reduz o potencial de enchentes em regiões mais baixas;

- Eficiência energética: a energia elétrica num parque é essencialmente consumida em
sua iluminação - as luminárias instaladas em alturas inferiores a 4 metros têm maior
rendimento e não prejudicam a ambientação da fauna;
Lâmpadas econômicas alimentadas por um sistema de coletores solares, posicionados
acima das copas das árvores dispensam quilômetros de redes de cabos elétricos.

- Arborização: plantio de arvores em vias públicas adjacentes e implantação de calçadas
verdes no entorno do parque, promovendo a ligação entre áreas verdes próximas como:
parques, reservas, unidades de conservação, praças, etc... que no futuro viessem a se
consolidar numa teia de linhas verdes dentro da paisagem urbana;
Emprego de técnicas de permacultura, com manejo de resíduos vegetais em leiras, plantio de espécies frutíferas nativas da região, resgate de consumo de frutas não comercializadas:pitanga, abricó, jenipapo, jambo e outras menos conhecidas pela maioria da população;

- Alimentação saudável: critérios de sustentabilidade e alimentação saudável para a
concessão de pontos de vendas de alimentos e bebidas no interior dos parques;

- Incentivo ao Transporte Coletivo: instalação de portões de acesso aos parques o mais
próximo de estações de embarque, pontos de parada, corredores de ônibus e outros
modais;
- Incentivo ao uso de bicicletas: instalação de bicicletários para guarda e locação de
bicicletas;

- Separação de resíduos: disposição de resíduos por parte do usuário em lixeiras
específicas;

- Incentivo à prática de caminhadas: implantação de “calçadões” no perímetro externo
dos parques promovendo uma maior integração do parque com seu entorno.

Por fim, num momento em que se questiona sobre a ocorrência de fenômenos naturais e
mudanças climáticas como consequências da atividade humana no planeta, os parques, alem do lazer e integração das pessoas com a natureza, podem desempenhar a importante função de modelo para a indução de boas práticas e um modo de vida mais sustentável no ambiente urbano.
____________________________________________
¹ Eduardo Aulicino é engenheiro civil, integrante da equipe técnica da Universidade Aberta de Meio Ambiente e
Cultura de Paz da Secretaria do Meio Ambiente do Município de São Paulo, atua na área de Ecoeconomia com ações
em: Compras Públicas Sustentáveis, Energias Renováveis e Construção Sustentável.

São Paulo, outono de 2010












8 comentários:

  1. Estou de acordo com meu xará. Atualmente estou formado em ciências biológicas e fui estagiário da Secretaria do Verde e Meio Ambiente no Centro de Educação Ambiental do Parque da Luz de 2003 a 2005. Pude, nesse tempo, viver os problemas que foram referidos neste artigo. Se possível e também com vontade do poder público, podería-se aplicar algumas soluções e readequações para esses espaços verdes da nossa metrópole. Parcerias com empresas para revitalização de equipamentos internos também seriam de grande valia.

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  2. Como o município vem destacando a criação de dezenas de áreas verdes novas, como parques tradicionais e aqueles lineares, acredito ser mais que pertinente expor que medidas vêm sendo adotadas na implantação dos mesmos e que atendam às orientações contidas no texto sobre parques sustentáveis.

    Isso pode ajudar bastante no debate sobre as limitações existentes para a adoção de medidas que certamente são mais adequadas, mas que enfrentam resistência em termos culturais, de compreensão da função "modelo" do parque urbano para a gestão da cidade e, também, em termos burocráticos.

    No limite, esse debate pode trazer à tona a importância de se ter o parque urbano não mais como resultante da cidade industrial, mas sim um espaço de resistência da vida, da qualidade ambiental e representante da premência de adotarmos padrões de relacionamento com o meio (físico, cultural, social etc.) mais sustentáveis.

    Rodrigo Machado

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  3. Que bom poder elogiar!
    Muito pertinentes as observações, destaco as mudanças necessárias na alimentação e acesso ao transporte público, no nosso parque, O ibira.
    Abraços

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  4. Penso que o princípio da sustentabilidade seja a simbiose entre todos os seres. A própria arborização utilizada até recentemente em parques urbanos nos mostra que até a vegetação utilizada é insustentável. Plantar jambo seria um retorno dessa prática de valorização de espécies importadas, ignorando nossa enorme diversidade.
    Penso que nossos parques deveriam ser a vitrine da nossa flora. Árvores da Mata AtlÂntica identificadas, jardinagem com espécies nativas, diversidade maior...
    Somente encontraremos simbiose entre fauna, flora, recursos naturais, através de recomposição criteriosa e endêmica. Isso é o princípio da sustentabilidade em parques. Todo o resto sem isso, é paliativo.

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  5. Achei muito pertinente o texto sobre Parques Sustentáveis. A minha única dúvida é em relação a utilização de madeira na própria infra-estrutura do parque. Alguns artistas, como Hugo França, possuem projetos para transformar as árvores caídas em mobiliário urbano, no entanto, existe uma lei que proíbe a utilização de madeiras e troncos caídos para o mobiliário urbano. Por um acaso alguém saberia dizer que lei é esta?

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  6. O "pai da sustentabilidade em SVMA", Eduardo Aulicino, nos brindou com o seu artigo na abertura do blog http://parquessustentaveis.blogspot.com/

    Mais uma vez, parabéns e obrigado pelo apoio.

    Fred

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  7. Olá,

    Agradecemos a participação.
    Estamos à disposição para eventuais informações e esclarecimentos.

    Atenciosamente,
    EQUIPE UMAPAZ.

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